Na véspera de Natal, faz-se um passeio até ao pinhal
e torna-se às texturas e aromas da infância, enquanto se apanha o musgo para o presépio tradicional .
A montagem do presépio de barro é simples, feita de forma rústica, num improviso com alguma arte.
Na sala da lareira, uma mesa simples aguarda o bacalhau que mais tarde há-de chegar, enquanto, na kitchnette, os doces que vêm da cozinha grande já não cabem na mesa
A noite é de harmonia, de calor da família restrita e de amigos de outras paragens, à volta da lareira…
enquanto lá fora, na noite fria, brilha a velha figueira, que nesta época se enfeita de luz.
E, tal como noutros tempos, também o menino Jesus enche de surpresas os sapatinhos…
Enquanto as tradicionais filhós, bem quentinhas, acompanham a peguiça do café da manhã,
o forno na cozinha grande, aceso bem cedinho…
… garante que tudo fica pronto a tempo para o nosso almoço de Natal.
Feliz Natal!!
(E não me ocorre deixar-vos outro poema, senão este do século XIX, mas tão, tão actual nestes tempos de incertezas…)
Dia de Natal
Hoje é dia de ser bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.
É dia de pensar nos outros – coitadinhos – nos que padecem,
de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
É dia de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.
Comove tanta fraternidade universal.
só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse,
numa toada doce,
de violas e banjos,
entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes,
a voz do locutor
anuncia o melhor dos detergentes.
(…)
Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,
com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,
cintilam, sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,
as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de cerâmica.
Os olhos acorrem, num alvoroço liquefeito,
ao chamamento voluptuoso dos brilhos e das cores.
E como se tudo aquilo nos dissesse directamente respeito,
como se o Céu olhasse para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.
A oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.
Adivinha-se uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar.
E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento
e compra – louvado seja o Senhor! – o que nunca tinha pensado comprar.
Mas a maior felicidade é a da gente pequena.
Naquela véspera santa
a sua comoção é tanta, tanta, tanta,
que nem dorme serena.
Cada menino abre um olhinho
na noite incerta
para ver se a aurora já está desperta.
De manhãzinha
salta da cama,
corre à cozinha em pijama.
Ah!!!!!!!
Na branda macieza
da matutina luz
aguarda-o a surpresa
do Menino Jesus.
Jesus,
o doce Jesus,
o mesmo que nasceu na manjedoura,
veio pôr no sapatinho
do Pedrinho
uma metralhadora.
Que alegria
reinou naquela casa em todo o santo dia!
O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,
fuzilava tudo com devastadoras rajadas
e obrigava as criadas
a caírem no chão como se fossem mortas:
tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá.
Já está!
E fazia-as erguer para de novo matá-las.
E até mesmo a mamã e o sisudo papá
fingiam
que caíam
crivados de balas.
Dia de Confraternização Universal,
dia de Amor, de Paz, de Felicidade,
de Sonhos e Venturas.
É dia de Natal.
(…)
António Gedeão